sexta-feira, 16 de julho de 2010

Antologia poética de Wallace Stevens



Considero Wallace Stevens (1879-1955) um dos maiores poetas americanos de todos os tempos. E um dos meus poetas favoritos. A razão deste amor para com a obra de Stevens repousa, basicamente, em dois pontos centrais:

1. Sua capacidade incomum de descrever ambientes, paisagens e pessoas, sempre acentuando o que há de denso ou leve em suas composições, a dualidade latente das coisas que trafegam entre o claro e o escuro, entre o assombroso e o trivial, além de marcar com uma voz personalíssima as cores, as sombras, os trejeitos de suas personagens, elaborando um universo muito particular em que o homem e a natureza se tocam constantemente, em que o movimento eterno das coisas pode ser matizado pela diferença que compõe um mundo maior: “É esta a origem das mudanças / Inverno e primavera, em fria cópula / Engendram os pormenores do enlevo”.

2. Stevens possui um olhar metafísico muito interessante sobre as coisas. Na sua poesia, a metafísica não busca paragens inalcançáveis, angelicais. Ao contrário, o poder de sua metafísica reside exatamente em trazer para o plano concreto a visão humana de mundo, dando-lhe um colorido muito específico e que constrói novas realidades plenas de beleza: “Homem curvado sobre o violão, / Como se fosse foice. Dia verde. / Disseram: ‘É azul o teu violão, / Não tocas as coisas tais como são’. / E o homem disse: ‘As coisas tais como são / Se modificam sobre o violão’. / E eles disseram: ‘Toca uma canção / Que esteja além de nós, mas seja nós, / No violão azul, toca a canção / Das coisas justamente como são’.”

A célebre assertiva de que toda tradução é uma traição, parece não ganhar muita validade nesta edição da Companhia das Letras. Paulo Henrique Brito fez uma das melhores traduções de poemas que já conheci – lembrando aquela paixão de Millôr Fernandes ao traduzir Shakespeare. Brito domina muito bem o ritmo da poesia de Stevens e consegue transpor com felicidade os meandros mais sutis do dizer do poeta.

Mesmo quando este dizer é intraduzível, ele compõe elementos novos que em quase nada ficam a dever ao original – mas, como sempre, o ideal seria ler no original, é claro. Um exemplo interessante foi sua tarefa de traduzir Sea Surface Full of Clouds. Numa tradução direta, teríamos: A superfície do mar cheia de nuvens. A ideia de Brito: Marinha, com nuvens.

Os versos iniciais deste poema magistral também não se prestam para uma tradução direta: “In that November off Tehuantepec, / The slopping of the sea grew still one night / And in the morning summer hued the deck / And made one think of rosy chocolate / And gilt umbrellas. Paradisal green / Gave suavity to the perplexed machine / Of ocean, which like limpid water lay”.

A saída de Brito: “Era novembro, em Tehuantepec / E o marulhar do mar calou-se à noite. / Pela manhã desceu sobre o convés / Uma cor morna, como chocolate / Âmbar, como sombrinhas amarelas. /Um verde-éden suavizava a máquina / Do oceano, de uma limpidez perplexa.”

Brito optou traduzir gilt umbrellas (literalmente, sombrinhas ou guarda-chuvas dourados) por sombrinhas amarelas e paradisal green (literalmente verde paradisíaco) por verde-éden. Estas escolhas dão dinâmica à tradução e mantém as idéias do poeta. Mas, volto a dizer, o ideal seria que pudéssemos ler o original. Se isso não é possível, então o trabalho de um bom tradutor deve ser reconhecido.

É uma pena que Wallace Stevens seja tão desconhecido no Brasil. Creio que esta edição da Companhia das Letras com tradução de Paulo Brito seja a única edição brasileira de seus poemas. Há, também, uma edição portuguesa que traz alguns poemas de Stevens. É pouco, é fato, mas já é, assim acredito, um ótimo começo.



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