sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Nexus de Henry Miller


Henry Miller é mais conhecido por seus romances Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio. Assim como Bukowski, que em seus livros fala sempre quase a mesma coisa, Miller se repete ad infinitum em seus livros: relações amorosas amargas, amigos que ele finge odiar, uma superioridade forçada e um espírito burguês que se quer proletário.

Mas há um momento em que Miller para de fingir e decide ser um escritor honesto: trata-se da trilogia A Crucificação Encarnada (Sexus, Plexus e Nexus). Como os títulos dos livros indicam, Miller aborda em cada um os problemas fundamentais da moral platônica, ou melhor, dos lugares em que a alma aparece no corpo de modo específico. Sexus trata da animalidade, da atração e do desejo. Plexus da vontade, da fome e da desilusão e Nexus dos emaranhados e lugares obscuros da mente.

É no terceiro tomo que encontro o melhor de Miller. Este é um livro que de vez em quando me pego relendo-o. A vida, a intensidade, a paixão, as análises, os personagens, as ruas, as dificuldades da vida são aqui magistralmente registradas através de um olhar clínico e que está prestes a atingir a sabedoria. Mas Miller, como citei antes, é honesto nesta trilogia e não descamba para uma aura que ele mesmo sabe impossível de alcançar.

O início do romance deve despontar entre os grandes inícios da literatura e já basta a postagem inteira (e essa vai para Léo, Flávio Minno e Dom Jairo, é claro): “Uuf!Uuf uuf! Uuf! Uuf! Ladrando na noite. Ladrando, ladrando. Guincho, mas ninguém responde. Grito, mas nem sequer existe eco. ‘Que quer – o Oriente de Xerxes ou o Oriente de Cristo?’. Sozinho – com eczema no cérebro. Sozinho, afinal. Que maravilhoso! Apenas não era o que eu esperava. Se ao menos eu estivesse sozinho com Deus! Uuf! Uuf uuf! Olhos cerrados, evoco a imagem dela. Aí vem ela, flutuando no escuro, uma máscara emergindo no nevoeiro: a bouche de Tilla Durieux, como um arco; branca, dentes uniformes; olhos escurecidos pelo rímel, negros como ébano. A atriz dos Cárpatos e os telhados de Viena. Erguendo-se, qual Vênus, dos baixios de Brooklyn”.

Se a tentativa literária de Miller era retratar o homem inteiro – e ele estava bem ciente de que suas erupções sexuais eram necessárias neste processo – então creio não errar quando afirmo que em Nexus Miller encontrou a fórmula. O homem – ou seja, ele mesmo – é retratado em toda a sua dimensão, sem subterfúgios e sem vaidades desnecessárias. Creio que este é o ápice do amadurecimento de Miller como escritor.

Num assomo excepcional de lucidez, Miller indaga: “A grande questão era essa pergunta eterna, aparentemente irrespondível: que tenho a dizer que ainda não foi dito, e milhares de vezes, por homens infinitamente mais dotados? Seria uma manifestação aguda do ego, essa necessidade coercitiva de ser ouvido? De que maneira eu era único? Pois, se não fosse único, então seria como acrescentar um zero a uma incalculável cifra astronômica”.

O reconhecimento de suas limitações já é um grande passo para dizer algo novo quando se tem talento. Na busca pela originalidade literária, Miller encontrou a si mesmo e, mergulhando cada vez mais fundo, teve muito que dizer.

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