segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cabala de Gershom Scholem


Como a postagem desta semana trata de religião, vou comentar o livro Cabala de Gershom Scholem. Este livro compõe a coleção Judaica, sendo o volume 9 da série e foi um presente maravilhoso que recebi de meu amigo Reginaldo Leite que, assim como eu, é estudioso da tradição filosófica e metafísica judaica, a Cabala.

O grande mérito deste livro é a capacidade incontestável de Scholem de desmistificar a Cabala. No meio místico, há uma supervalorização da Cabala como se ali estivesse revelada a verdade mais pura e absoluta, uma verdade que a tudo curaria e a todos daria poderes superiores. Scholem é judeu, mas não deixa nunca o seu lado científico de lado e chega mesmo a afirmar que o desenvolvimento da Cabala possui sua origem numa ligação com as escolas helenísticas e cristãs.

Ele sustenta, assim como grande número de estudiosos, que a influência grega na formação dos conceitos cabalísticos é enorme e que estão presentes nas seitas marginais do judaísmo rabínico – ha-minim. A Cabala, então, possui traços acentuadamente neoplatônicos e isso já podemos encontrar nas obras de Filon de Alexandria que foi um pensador do século I que desenvolveu suas doutrinas na junção do pensamento helenístico à luz da tradição bíblica, especialmente da figura de Moisés.

Contudo, Scholem está muito ciente da originalidade dos pensadores judeus. A Cabala não é uma simples justaposição do neoplatonismo sobre a tradição judaica. A justaposição existe, mas apenas para enriquecer a metafísica judaica e criar novas explicações para questões antigas dentro da tradição religiosa: a questão da existência de deus, a criação do universo, a essência da alma, a origem da vida espiritual, a moral e a teleologia, o lugar do mal, etc.

Scholem trata de modo claro e preciso a tradição cabalística, explicando o lugar do Sefer Ietsirah nesta tradição – especificamente a gnose judaica – e os livros subseqüentes que traduzem os ideais de suas doutrinas: o Zohar, o Sefer ha-Bahir, o Kitah Al-Anwar, o Midrash Avkir e Konen, etc.

Outro grande mérito de Scholem é explicar com grande clareza outro ponto muito obscuro dentro da tradição cabalística: a Árvore da Vida com seus 22 caminhos e suas 10 Sefirot. A Árvore da Vida pode ser entendida como a planta do Universo e da mente na tradição cabalísitica e Scholem esmiúça com olhar clínico os caminhos e as definições metafísicas das Sefirot. De fato, a semelhança com a concepção platônica de mundo é gritante e Scholem não quer esconder esta influência.

Para quem não possui nenhum conhecimento em Cabala ou estuda seus livros principais e não entende quase nada, recomendo a leitura deste excelente livro de Scholem. O leitor encontrará neste livro explicações muito bem elaboradas sobre as principais ideias cabalísticas: Ein-Sof, Sefirot, tsimtsum, kelim, reshimu, tikun, nefesh, milu’im, tohu, etc. Scholem baseou esta obra nos principais verbetes de sua Encyclopaedia Judaica, daí o caráter didático e claro com que ele trata de termos que, às vezes, parecem ininteligíveis.

Por fim, Scholem trata de algumas personalidades ilustres dentro da tradição cabalística como Gerona, Cardozo, Gikatilla, Luria e Moisés Ben Shem Tov de Leon. Um livro excepcional em todas as suas dimensões e que recomendo veementemente para todo estudante do pensamento humano, seja de caráter místico ou não.


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