domingo, 6 de junho de 2010

Os 120 de Sodoma de Sade


O que o Satyricon de Petrônio, o Decameron de Boccacio, Sexus de Henry Miller, o Açougueiro de Alina Reyes e os poemas de Hilda Hilst possuem em comum com a obra Os 120 de Sodoma do Marquês de Sade? Simples: o sexo. Mas em cada uma dessas obras o sexo é encarado como pano de fundo para as digressões filosóficas, morais e religiosas destes escritores, enquanto que em Sade ele surge de modo inteiramente diverso. O sexo, em Sade, é o limite, o além de toda metafísica, a perversão da mente e do corpo, a transgressão mais radical possível, a negação e afirmação do outro a um só tempo. Nega-se, em Sade, tudo o que é saudável moralmente falando, tudo o que deveria ser tido como certo, tudo o que poderia fundar uma religião de cunho moral. No campo da ciência sexual – seja medicina ou psicanálise – Sade defende o que os outros chamariam de anomalias. Os jogos dos deveres morais, da apreciação estética moralista, do justo e injusto, da beleza e da feiúra, do medo religioso não tomam lugar neste escritor.

Os 120 de Sodoma narra as peripécias de um grupo de libertinos: o Duque de Blanges; seu irmão, o Bispo; Durcet e Curval que se embrenham num castelo - assessorados por quatro “damas”: Madame Duclos, Madame Champville, Madame Martaine e Madame Desgranges que estão ali para auxiliar nossos pervertidos a realizarem todos os seus desejos - após terem seqüestrado 18 jovens (oito meninos e oito meninas) e levado consigo mais oito homens avantajados e quatro criadas. O objetivo destes senhores é multiplicar e ampliar os objetos de seus prazeres, numa busca frenética pelo limite do corpo e da alma, mas isto sem piedade e com requintes de extrema crueldade. Quando as crianças apavoradas estão no primeiro dia no castelo, são recebidas com a seguinte indagação: “Se Deus existe, então ele intercederia por vocês. Mas como Deus não existe, nada neste mundo poderá lhes ajudar a deixar de passar pelo que nós reservamos para vocês!”.

Os amigos bebem a urina das crianças, jantam suas fezes, sodomizam seus corpos e jamais estão satisfeitos. Os horrores que as crianças são obrigadas a fazer se repetem dia a dia no castelo. São tratadas como cachorros, apanham, são torturadas, obrigadas a fazerem coisas repulsivas e degradantes. Os amigos, senhores de tudo por ali, debatem sobre como ampliar ainda mais seus prazeres, sempre insatisfeitos diante de uma sede incomensurável que os acomete sempre. Nada consegue satisfazer este apetite ancestral e tudo parece pouco diante desta fome de séculos.

Por fim, os amigos escandalizam as torturas: enfiam tubos nos ânus das crianças e colocam um rato faminto no mesmo; infectam-nas com doenças; obrigam-nas a correrem nuas no jardim durante um inverno rigoroso; esbofeteiam suas partes íntimas; colocam montículos de pólvora sobre seus corpos e depois incendeiam; sangram-nas e escarificam suas peles; achatam seus pés com um martelo pesado; crucificam as crianças, etc. A lista é enorme.

Sade relata, sem pudor algum, o lado mais “obscuro” do desejo humano. Deixa um legado incomum de coragem ao falar do que deveria sempre ser calado. Sua obra permanece atual porque o lugar do desejo é sempre atemporal: o outro. Mas aqui, através de uma visão quase irreal, o outro é o mesmo. Realmente, eu recomendo, mas apenas para quem possuir estômago forte.

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