quinta-feira, 17 de junho de 2010

Gog de Giovanni Papini

Retrato de Papini pintado por Oscar Ghiglia.

 Papini pode ser considerado um dos escritores mais fervorosos e contraditórios do seu tempo na Itália. De um cético declarado que se tornou católico no final da vida, Papini retrata em suas obras essa constante contradição que ele mesmo viveu. Sua estupidez e inteligência, seu sarcasmo e polidez, sua paixão e ódio pela literatura, sua capacidade e incapacidade de entender seu tempo afloram o tempo todo em suas obras.

Possivelmente seu livro mais conhecido seja O Diabo. Mas é em Gog que encontramos um Papini pleno, ciente de suas loucuras e extravagâncias, diletante consigo mesmo e com o mundo. Longe de alcançar a ira e a profundidade de um Nieztsche ou Cioran, por exemplo, este escritor florentino nos brinda com um livro interessante; mas interessante exatamente por causa daquilo que ele parece tanto odiar: a própria literatura. O desprezo com que trata seus interlocutores não é o que nutre o melhor do livro, mas sim as essências dos próprios interlocutores, bizarras ou não.

O tomo está dividido em 70 pequenas crônicas que se pretendem “filosóficas”. Papini elabora encontros imaginários com grandes nomes da cultura mundial: Ford, Lenine, Wells, Saint-German, Gandhi, Shaw, Frazer, Knut Hamsum (um dos poucos por quem ele nutre certo apreço e respeito), Pitágoras, entre outras figuras imaginárias que foram criadas para compor um mosaico que traduz seu desprezo descomunal pela cultura contemporânea.

Logo no início do livro, ele nos avisa que procurou visitar as grandes obras-primas da literatura. Fica decepcionado: “O que não entendia, me parecia inútil; o que entendia não me divertia ou me ofendia. Coisas absurdas, cacetes: às vezes insignificantes ou nauseabundas”. E arremata: “Ficou-me, porém, a dúvida de que a literatura seja incapaz de aperfeiçoamentos decisivos: é muito provável que ninguém, daqui a um século, se dedique a uma indústria tão atrasada e pouco rendosa”.

Entretanto, Papini deixa pistas sobre suas preferências. Na crônica O Canibal Arrependido – que conta o estrago que a civilização cristã causou num canibal ao convencê-lo de que comer carne humana não era saudável – está presente o canibal Quiqueg de Melville. Mas sem aquele poder descritivo maravilhoso do americano.

Na crônica Tudo Pequeno, podemos sentir uma presença quase onírica do Gulliver de Swifts. Mas é com Knut Hamsum que ele se identifica mais. Quando está na Noruega, ele decide visitar o famoso escritor que o recebe da maneira mais inusitada: “Consenti em receber o senhor porque o senhor não é nem um mendigo, nem um literato nem um jornalista nem um desocupado nem um editor nem um colecionador de autógrafos nem um admirador. Todos esses são igualmente insuportáveis”. No final da conversa, o escritor norueguês diz: “E o senhor também, apesar de não me ter pedido nada, já me tomou alguma coisa: meia hora do meu tempo e um pouco de minha força. O senhor também é um ladrão honesto, um ladrão bem educado – mas um ladrão”. Papini concorda com as palavras de Hamsum e diz que irá comprar todos os seus livros, pois “assim lhe ressarcirei delicadamente o tempo que perdeu por minha causa”.

Certos pastiches e absurdidades que dão à obra um tom quase burlesco não conseguem retirar do todo algumas qualidades que a mesma possui. Papini é um escritor erudito e, como disse antes, o que há de positivo em sua escrita é exatamente aquilo que ela quer combater. Um espelho invertido. Uma contradição ambulante.

6 comentários:

  1. GOG e' uma obra transformadora! Quem o ler com atenção jamais o tirará da cabeceira!!

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  2. Esta edição que vc apresenta altera bastante a que tenho aqui, de 1960, Editora Globo.
    Creio ter mais do estilo do autor.
    Para os leit

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  3. E o senhor também, CONQUANTO NADA ME TENHA PEDIDO, CARREGA ALGUMA COISA: meia hora do meu tempo e um pouco da minha força . O senhor também e' um ladrão HONRADO, UM LADRÃO BEM-educado, mas um ladrão!

    No As obras primas da literatura não e' entendia(!), vejam:
    "... O que não COMPREENDIA, parecia-ME inútil; o que COMPREENDIA, NÃO ME AGRADAVA, OU IRRITAVA-ME. GÉNERO ABSURDO, ABORRECIDO; QUIÇÁ INSIGNIFICANTE

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  4. ABUNDO.
    depois:
    FICOU-ME, APESAR DE TUDO, A DÚVIDA DE QUE A LITERATURA E' , QUIÇÁ, INCAPAZ DE DECISIVOS APERFEIÇOAMENTOS. E' BEM PROVÁVEL QUE NINGUÉM, DENTRO DE UM SÉCULO, SE DEDIQUE A UMA INDÚSTRIA TÃO ATRASADA E POUCO REMUNERADORA..

    Não tem cacete!!!!!!!!!!

    glauberj@hotmail.com

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  5. Eu encontrei e comprei uma edição de 1932 que creio ser a primeira edição. Porém houve um erro grotesco na impressão do livro. Onde deveriam estar as páginas 33 a 48 estão as páginas 113 a 127, estando essas em duplicidade porque logo a frente estão elas de novo, dessa vez, na ordem correta. Assim, alguns contos estão pela metade e alguns nem estão no livro. Fui "sorteado"..

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