terça-feira, 25 de maio de 2010

Inferno de August Strindberg



August Strindberg é mais conhecido no Brasil por suas peças de teatro Senhorita Júlia e A Dança Macabra. Entretanto, sua genialidade literária não se resume apenas ao teatro – o que já seria muito – mas se faz presente também no romance. A edição que possuo do romance Inferno é de 1989, editado pela Nova Fronteira e com uma tradução primorosa de Ivo Barroso. Na capa há uma citação de Kafka: “Eu me sinto melhor porque li Strindberg. Eu não o leio por ler, mas para apertá-lo contra o peito... O enorme Strindberg. Esta raiva, estas páginas ganhas à força do pulso”.

Neste romance há raiva, medo, loucura e solidão. O livro é dividido em 17 capítulos, cada um com um título. No primeiro capítulo – A mão do invisível – o autor relata a separação com sua esposa: “Com sentimento de selvagem júbilo, retornava da Gare Du Nord, onde me despedira de minha cara-metade, que fora cuidar de nossa filha, enferma na terra distante. Consumara o sacrifício de meu coração! Suas últimas palavras: ‘Até quando?’, e minha resposta: ‘Até breve’, ressoam-me ainda como inverdades que relutava em admitir, pois um pressentimento me dizia que estávamos nos despedindo para sempre”. Este tom lacônico e desesperado irá perpassar o romance de cima a baixo.

O autor se muda para um hotel e lá começa o seu martírio mental. Ele se vê abandonado por todos e perseguidos por inimigos e amigos. Uma solidão incomensurável, em que paira sempre um espírito usurpador frente ao nosso anti-herói, devasta sua mente e ele começa um processo de alucinação: vê inimigos invisíveis e forças trevosas que espreitam incessantemente. Sua solidão é brutal: “Morto para o mundo ao renunciar às fúteis alegrias de Paris, permaneço em meu bairro onde visito todas as manhãs os mortos do cemitério de Montparnasse... a rive droite representa para mim uma coisa proibida, constituindo o mundo propriamente dito, o mundo dos vivos e da vaidade”.

Para fugir de sua loucura, o autor se inicia nas ciências ocultas, mas especificamente a alquimia e a magia negra. Lê Swedenborg e este se torna seu mestre espiritual, trazendo-lhe as palmas “da vitória ou do martírio” - e a obra Séraphita de Balzac – que narra a estória de um ser estranho e andrógino, Séraphitus-séraphita – torna-se para ele um evangelho. Elabora seu sanctum místico e começa suas práticas de alquimia em busca de uma vitória real contra seus inimigos invisíveis. Vê o demônio inscrito nas costas de um caranguejo cozido e o eletricista que trabalha na rua parece espreitá-lo, querendo lhe fazer um mal terrível ao menor descuido seu. Seguindo seu martírio e seu deus pessoal, fica enfermo e é acolhido por irmãs que cuidam de sua doença. O clima é sempre pesado e denso: “No dia de finados, por volta das três horas da tarde, o sol brilha, o ar está calmo. A procissão dos moradores, precedida pelo vigário, por estandartes e a banda de música, vai em direção do cemitério homenagear os mortos. Os sinos da igreja começam a bater. Então, sem preâmbulos, sem qualquer nuvem precursora num céu azul-pálido, a tempestade desaba”.

Descobrindo que o único inimigo possível somos nós mesmos, busca o arrependimento, procura por uma salvação que jamais virá, estuda Peladan e descobre que Annie Besant – a grande teósofa discípula de Blavatsky – tornara-se católica. Solitário, sempre em busca de uma lucidez tardia, percebe que a roda sempre gira mais uma vez e que a vida precisa continuar: “Que virá em seguida? – Uma nova brincadeira dos Deuses, que riem a bandeiras despregadas quando vertemos lágrimas ardentes?”.

Um texto magnífico, profundo, instigado e instigante que nos conduz a um universo de angústia e esperança ambíguo, mas que não deixa de transpirar um segundo sequer sua grande humanidade. Realmente, recomendo!

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